Camada de Ozônio e mudanças climáticas: A controvérsia dos HFCs
Por Nicole de Paula,* 13 de noviembre de 2013 © Ambiente y Comercio
Apesar dos Hidrofluorcarbonos (HFCs) serem gases de refrigeração, foram eles que esquentaram a última rodada de negociações entre os países partes do Protocolo de Montreal (MOP-25) sobre Substâncias que Destroem a Camada de Ozônio, em Bangkok na Tailândia. Como um “dialogo de surdos”, a reunião não conseguiu a aprovar a formação de um grupo de contato que pretendia discutir formalmentea incorporação dos HFCs na lista de gases a serem eliminados de acordo com as regras do Protocolo de Montreal.
Esta análise explora as principais controvérsias envolvendo a proposta de emenda relativa aos HFCs durante este encontro. O objetivo é indicar como este debate afeta as futuras negociações sobre mudanças climáticas no contexto da Conferência das Partes 19 (COP-19), que será realizada em Varsóvia, Polônia, no mês de novembro, onde os países buscam avançar um novo acordo global sobre clima em 2015 previsto para entram em vigor em 2020.
Efeitos colaterais do sucesso do Protocolo de Montreal
O Protocolo de Montreal, responsável pela regulação de substâncias que degeneram a camada de ozônio, é um forte aliado na luta contra o aquecimento global. No entanto, a cooperação entre os regimes de mudanças climáticas e o de proteção da camada de ozônio é contenciosa.Considerando um dos mais eficientes instrumentos internacionais na área de meio-ambiente, o Protocolo de Montreal erradicou e continua erradicando gradualmente diversas categorias de produtos químicos, notavelmente os clorofluorcarbonos (CFCs), hidroclorofluorcarbonos (HCFCs) e halogênios. Este sucesso se deve ao uso de gases substitutos, dentre eles os HFCs, que são fluidos refrigerantes utilizados principalmente em equipamentos de frio e ar condicionado. Enquanto “poluentes climáticos”, estes gases contribuem com o problema das mudanças climáticas gerando um polêmico debate no plano multilateral.
Há quatro anos, os Estados Unidos, o Canadá e o México- com o apoio dos Estados Federados da Micronésia- propuseram uma emenda ao Protocolo de Montreal visando a redução do consumo e a produção de HFCs. Caso aprovada, esta emenda também seria responsável pelo controle de emissões de subprodutos de HFCs em todos os países. Os Estados Unidos defendem que o aumento dos HFCs ocorreu como consequência do uso de substitutos de CFCs estimulado pelo Protocolo de Montreal e que, portanto, este regime tem o dever de contribuir com a solução do problema. O fato de o Protocolo contar com uma adesão praticamente universal e já ter experiência comprovada com a erradicação de gases também são argumentos usados pelos Estados Unidos na procura de aliados.Discutida nos últimos cinco anos no âmbito da Conferência das Partes do Protocolo de Montreal (MOP), o avanço da proposta de emenda é quase imperceptível.
Diante do dilema de proteger a camada de ozônio e reduzir, ao mesmo tempo, o risco de agravar o aquecimento global, torna-se urgente a criação de sinergias entre a Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNCCC) e o Protocolo de Montreal.
MOP-25 e o fracasso da emenda sobre HFCs
Apesar de não serem considerados nocivos a camada de ozônio, os HFCs são gases do efeito estufa altamente potentes (high global warming potential-GWP). O GWP é um medida que compara um gás com o dióxido de carbono (CO2), que tem como potencial 1. Especialistas têm alertado, em especifico, para os riscos de crescente emissão de HFC-23, usado principalmente em aparelhos de ar-condicionado refrigeradores que tem um potencial de aquecimento global de 11.700 vezes maior do que o CO2. A destruição de HFC-23 era majoritariamente financiada pelo Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Kyoto. Diante de uma eliminação relativamente barata, descobriu-se que diversas empresas, particularmente na China, estavam lucrando de maneira abusiva e que o MDL estava, neste caso, sendo responsável por incentivos perversos. Esta constatação levou a União Européia, por exemplo, a não validar projetos ligados a mitigação de HFC-23.
Ainda que nobre, esta luta por componentes químicos “climaticamente adequados”gera ressentimentos por parte de diversos países chamados de “artigo-5”, em referência aqueles que recebem assistência financeira através do Fundo Multilateral do Protocolo para cumprir com as metas do Protocolo. Alegando razões jurídicas, econômicas e técnicas, diversos países durante a MOP25 mostraram-se unidos contra a possibilidade de se criar um grupo de contato responsável por discutir esta emenda. O fato de os HFCs não serem substâncias nocivas à camada de ozônio e já serem reguladas pelo Protocolo de Kyoto são argumentos relevantes para explicar a falta de entusiasmo de vários países em incluir os HFCs no âmbito do Protocolo de Montreal. A Índia, em particular, enfatizou energeticamente a ilegalidade da emenda e diversos outros países argumentaram que este debate deve ser continuado de maneira informal. Além disso, os grandes países emergentes – Índia, China e Brasil- temem que a incorporação dos HFCs sob o escopo do Protocolo de Montreal prejudique o entendimento do principio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas entre países desenvolvidos e em desenvolvimento bem estabelecido na UNFCCC.
Do ponto de vista dos detratores da proposta de incluir HFCs no Protocolo, a preocupação central está em garantir gases substitutos adequados e, acima de tudo, financiamento para arcar com a transição para um novo grupo de químicos. De formal geral, os países em desenvolvimento ressentem o fato de terem que “pular de fase” novamente e se adaptar ao uso de substitutos de HFCs, algo que já ocorreu quando se tornaram Partes do acordo visando a eliminação de CFCs. Além de questões técnicas, como a fraca evidência de que existam gases tãoeficientes quanto os HFCs para serem usados em regiões de alta temperatura, tais como na Malásia ou Arábia Saudita, estes países enfatizam a falta de garantias financeiras “previsíveis e continuas”para que esta transição seja implementada.
Durante a MOP-25, muitos foram os que questionaram a pertinência do ativismo americano no âmbito do Protocolo de Montreal, dada a inércia perante a Convenção-Quadro de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (UNFCCC). Assim, diversos negociadores de países pertencentes ao artigo-5 fizeram questão de lembrar em Bangkokque o maior proponente da emenda, os Estados Unidos, não ratificaram o Protocolo de Kyoto. Este fato, reduziu a legitimidade da proposta e não estimulou a criação de laços de confiança entre as Partes. Por outro lado, nem todos os países ditos Artigo-5 são contra a emenda. Os Estados Federados da Micronésia e diversos países africanos demonstraram tentaram dar suporte à visão americana, relembrando os riscos que as mudanças climáticas podem ter em pequenos estados insulares e na luta contra a pobreza.
Apesar da criação de um grupo para discutir o uso de HFCs durante a última reunião preparatória para MOP (OEWG-33), visto como uma pequena vitória, a MOP-25 explicitamente rechaçou a proposta de emenda. Diante do impasse, diversos delegados ressaltaram a necessidade de encontrar novos meios de se lidar com a questão dos HFCs. Por enquanto, fica claro que este tema continuará sofrendo com argumentos cíclicos, do tipo quem vem primeiro o “ovo” ou a “galinha”, em que os países insistem na falta de financiamento para agir e na necessidade de se discutir os HFCs no âmbito jurídico adequado.
Assim, esperava-se durante a MOP-25 um sinal politico que pudesse indicar aos participantes da COP-19 que os HFCs estão com os dias contados. Com a recusa da emenda, este sinal foi fraco. Os países acordaram, no entanto, em solicitar os membros do Painel de Avaliação Econômica e Tecnológica (TEAP) para realizar um estudo mais aprofundado sobre as alternativas aos HFCs, que deve ser apresentado em 2014. Um workshop sobre o tema também esta previsto para ser realizado em paralelo a reunião preparatória para a MOP-26 (OEWG-34). Além disso, uma potencial solução identificada por alguns participantes da MOP-25 para reduzir o impasse seria enfatizar nas próximas reuniões do Protocolo de Montreal o “congelamento” dos HFCs, ao invés de propor a sua suspensão (phase-down). Esta mudança teria a vantagem de focar em estratégias que visam limitar a rápida expansão do uso de HFCs, potencialmente acalmando alguns dos opositores.
Esfriando as divergências na Polônia? O papel da COP-19
A MOP-25 nos ensina que há uma urgente necessidade de se coordenar esforços entre o Protocolo de Montreal e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Apesar dos HFCs representarem menos de 1% dos gases de efeito estufa, sua rápida expansão, principalmente em países emergentes, preocupa. Por esta razão, HFCs tem sido discutidos na esfera do Grupo de Trabalho Ad Hoc da Plataforma de Durban, órgão responsável pela negociação de um novo instrumento jurídico sobre clima, previsto para entrar em vigor em 2020. Neste fórum, a União Européia mostra-se particularmente ativa, chegando a propor que os HFCs sejam tratados pelos dois regimes. A COP-19 na Polônia tem a chance de retomar este tema e, eventualmente, produzir resultados tangíveis que servirão como guia para as próximas negociações envolvendo a camada de ozônio.
Interessante notar que o tema dos HFCs tem ganhado espaço em outras instâncias políticas e iniciativas bilaterais. O último encontro do G-20 na Rússia produziu uma declaração expressando apoio a iniciativas que complementem ações da UNFCCC na luta contra estes gases e defendendo a manutenção dos HFCs dentro do âmbito da Convenção e do Protocolo de Kyoto, para fins de contabilização e divulgação de dados de emissões. No plano bilateral, a China e os Estados Unidos também produziram uma declaração oficial em que concordam em trabalhar juntos para avançar uma solução multilateral aos HFCs no âmbito do Protocolo de Montreal.Diante do fracasso de se criar um grupo de contato durante a MOP-25, estas declarações pareceram pouco efetivas.
Apesar da correlação evidente entre questões climáticas e camada de ozônio, ainda não há mecanismos concretos de coordenação entre os dois instrumentos jurídicos regulando estes temas. No entanto,sucesso no manejo dos HFCs continua um tema importante para o próximo acordo sobre o clima. Resta saber se a COP-19 na Polônia será capaz de produzir algumas respostas relativas a este debate.As baixas temperaturas polonesas, porém, tendem a prejudicar o foco dos negociadores em gases de refrigeração.
[Ver resumen de la reunión por IISD Reporting Services (en inglés y francés)]
* Nicole de Paula es experta temática en instituciones financieras internacionales para IISD Reporting Services, también es editora y colaboradora del Boletín de Negociaciones de la Tierra. Nicole de Paula es candidata al doctorado en Ciencias Políticas en Sciences Po Paris y es miembro no residente del Centro de Relaciones Transatlánticas de la Universidad Johns Hopkins (SAIS), Washington D.C.